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segunda-feira, 23 de março de 2009

Damas-da-noite e Marias-sem-vegonha

Terceira parte do capítulo 1 do meu novo projeto - O LADRÃO DE ROSAS.

Alguns passos à frente, viraram a segunda esquina e entraram, enfim, à Rua das Trepadeiras. Além das muitas árvores de noz, que continuavam a se erguer das calçadas acinzentadas, mulheres e mais mulheres em trajes duvidosos erguiam partes igualmente duvidosas do corpo dos homens que por lá passavam. Encostadas em postes ou na boca de portinholas de pequenas casas que se amontoavam feito os detritos do Lixão Municipal, mexiam com todos os sujeitos transeuntes, tivessem eles aliança na mão esquerda, na direita ou nenhum adereço aos dedos. Lançavam suas iscas e torciam para que algum, de bufunfa no bolso, é claro, as mordessem e se tornasse aspirante a amásio pagador. E nem sequer davam bola às outras mulheres, essas de bons modos e vida digna, que, porventura e sem outro caminho a cortar, por ali passavam de cabeças baixas e com passos ligeiros.
“Notem as caras daquelas Marias-sem-vergonha! Falta-lhes vergonha nesses sorrisos devassos!”, pontuou Goivo.
“E, a fazer pouco de tal pleonasmo que acabaste de dizer, falta-lhe dinheiro no bolso para ter com elas, miserável...”, respondeu Cactus, ligeiro, como se ele muita gaita tivesse, “Aliás, faltam-nos bolsos nesses uniformes que mais parecem panos de chão em decomposição... Nem a água de Amarílis deu conta do trabalho... Talvez o desse, não fosse a impertinência do guarda paspalho e sua censura descabida...”, e torceu um pouco mais a água que respingava das mangas esfrangalhadas, “Seja como for, cheguemos perto dessas Damas-da-noite, mesmo que a luz do dia nos aponte como boêmios ao Sol”.
Os quatro aproximaram-se de uma loura, um pouco mirrada, que se encostava a um muro baixo de cimento e soltava assobios aos mais bem vestidos, o que não era o caso do quarteto. O garoto sempre quieto, apenas observava as palavras dos outros três e o rebolar e as expressões de baixo calão das estranhas beldades de atributos relevantes.
“Mostra-me a ocasião que tu és a porta do amor, apesar de amor ter sido a minha vida desprovida. Deixe-me entrar e lhe dar uma investida. Quanto vales, afinal?”, lançou Cactus à loura, olhando de esguelha aos demais com uma cafajeste risadinha ao canto da boca.
“Nada que tu possas pagar...”, replicou a moça regulando-o de cima a baixo com uma arrogância que não lhe cabia.
“Ora, mas que desafortunada és tu, guria suja!”.
“Mais suja do que esses teus trapos não sou... Escória és tu! E nem tens idade para me desfrutar! Quantas primaveras já vivestes? Dezesseis? Dezessete, talvez?”.
“Dezoito, guria! Dezessete os dois maiores estão a contar... O menor, quinze! E escória não somos!”.
“Pois tens cara de moleque! Como os demais... Nem barba densa lhe cerra a face! Não lhe dou mais que quatorze primaveras! Mal saístes da mamadeira, parece-me! Escória pueril!”, e riu-se, desenfreada.
Cactus enrubesceu, “Vou lhe mostrar quem és escória pueril!”, cerrou os punhos, respirou fundo e forte e já ia partindo para cima da Dama-da-Noite quando foi contido por Goivo e Tango – atitude que surpreendeu e amedrontou o mais novo.
“Rele-me o dedo e grito pelo primeiro guarda que por aqui passar, fedelho abusado! Falo tudo e invento o resto! Até o que não fizeste!”, ameaçou a mulher.
“Marias-sem-vergonha como tu não falam, pois nada têm a dizer. E se o fazem, dizem besteiras... Que guarda acreditaria em ti, em uma ‘dama’ do teu calibre, da noite, do dia, de qualquer hora que o dinheiro a faça abrir as pernas?”.
“Eu, por exemplo!”, respondeu o mesmo guarda que o tirou do chafariz, pousando-lhe a mão no ombro e de cacetete em punho à outra.
Os demais – Goivo, Tango e o garoto – saíram em disparada como esquilos atrás de nozes ou coelhos fugindo de seus predadores. Nesse caso, fugindo de uma autoridade e algumas coelhas.
Demorou um pouco a Cactus conseguir se desvencilhar do brabo homem e seu sermão e alcançar o restante da trupe, que longe já o aguardava. A sorte do fanfarrão foram as deixas maliciosas, os flertes e os convites de vozes sensuais para que o guarda, sua farda e sua gaita adentrassem uma das portinholas – fato que irritou por demais a loura mirrada e desviou toda a função pela qual a autoridade ali estava. “Que belo cacetete” foi apenas um dos picantes gracejos que invadiram o ouvido do homem e o amoleceram. O coração e o bolso, é claro.

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